terça-feira, 17 de março de 2020

Ajustem seus azimutes


Olá, estimados orientistas.


Desde dezembro, de algum modo, estávamos cientes da existência de uma nova variação de coronavírus. O epicentro da propagação era a China, país que adotou várias medidas para mitigar os danos provocados pela epidemia. Alguns países vizinhos se isolaram e, assim, conseguiram impedir um avanço descontrolado. Entretanto, num mundo sem fronteiras, a Itália se tornou um ícone. E agora, depois de 3 meses, nosso país começa a sentir os reflexos do que já se chama pandemia. Para variar, somente depois do carnaval acenderam a luz de alerta. Sei que muitos ainda duvidam do potencial negativo do contágio em massa. Muitos estão com esperança de que nosso país não será atingido, ou que lidará com sucesso contra a doença. Muitos acreditam que é tudo uma teoria da conspiração. Outros estão em pânico, inclusive desabastecendo o mercado de produtos para proteção. Talvez, quiçá, se esquecendo que os vizinhos também precisam de álcool gel e outros itens protetivos.
Agora parece que a ficha está caindo. O jogo de futebol que não será transmitido, aquela corrida de rua que foi adiada, os filhos que foram liberados da escola, as ruas com trânsito tranquilo... a tia do primo do vizinho que conhece fulano que está infectado...
É bem assim mesmo. O que chamavam de falso alarmismo era, na verdade, uma falta de atitude em prevenir algo que estava batendo à nossa porta.
Temos um calendário ativo de atividades de corridas de orientação. E há uma aparente nuvem encobrindo qualquer fala que sugira o adiamento de provas ou a solicitação de um posicionamento das autoridades competentes. Nesse cenário, por exemplo, ocorreu a Copa Sul. No próximo final de semana temos eventos programados em alguns estados. Qual a situação deles? Até agora, um evento que ocorreria em Goiânia-GO, foi cancelado. Também a Federação de Pernambuco confirmou suspensão das atividades. Aplaudo a atitude, pois estão seguindo a recomendação das autoridades locais.
E o CamBOr? Sobre este, não posso falar. Apenas imaginar que já estão com um plano B e um plano C bem desenhados. Que estão cientes sobre as restrições a grandes aglomerações. Que previram a possibilidade de que os competidores nem tenham condição de chegar por via aérea devido ao encolhimento da malha. Que quanto mais tarde houver definição, em caso de adiamento, maior prejuízo financeiro terão os inscritos. Conheço alguns dos responsáveis pelo evento e nesses poucos eu confio. Entendo a dimensão do que pode ser um problema, e creio na capacidade deles em tratar o caso com a seriedade merecida.
Talvez a CBO e seus federados estejam com o receio de causar pânico, ou que medidas restritivas firam a imagem da entidade. Mera especulação de minha parte. Mas se for esse o receio, podem ficar tranquilos. Grande parte já está contando com essa possibilidade. E os que pensam contrário vão agradecer daqui há algumas semanas.
Acabei fazendo algumas leituras nos informes que recebi de outros países e também busquei saber o posicionamento oficial de entidades mundo afora. E hoje a IOF publicou uma ação mais enérgica, cancelando ou adianto todosos seus eventos programados até 31 de maio corrente. Um percurso natural, já que os países estão fechando suas próprias fronteiras.
Quanto às corridas de rua e corridas em trilha, essas já vinham sendo canceladas. Agora é um momento de unirmos forças em benefício da coletividade.
Sugiro aos colegas que fiquem atentos aos informes das companhias aéreas e rede hoteleira caso sejam impactados pelas decisões que virão. Quanto antes se informarem, melhores serão as decisões. Lembrando sempre que buscar a fonte é a melhor maneira de evitar notícias falsas.
Que tenhamos capacidade para lidar com essa adversidade.

Seja inteligente! Pratique a corrida de orientação.
Boas rotas \o/
orientistaemrota

quinta-feira, 12 de março de 2020

"Devaneios" sobre os rumos da corrida de Orientação brasileira

Olá, estimados orientistas.

Desde que a gente entra no mundo da corrida de Orientação, inexoravelmente acaba se deparando com aqueles momentos de reflexão sobre os rumos dessa modalidade desportiva. Estou num desses momentos, principalmente devido à vivência em eventos dentro do Brasil e no exterior e devido à leitura de diversas manifestações nas redes sociais e nos aplicativos de comunicação instantânea (whatsapp e telegram).
De bastante positivo vejo a energia de muita gente empenhada em tornar melhor o nosso esporte. Mas aí também está um lado que merece bastante atenção. A aparente liberdade que a internet e suas ferramentas nos oferece parece estar incompatível com o diálogo mais coerente e assertivo que o assunto exige.
Existem, em minha talvez míope visão, muitos aspectos que, se não forem bem observados, aumentam a probabilidade de regredirmos como modalidade. Talvez eu me perca no pensamento ou escreva algum devaneio, mas vou tentar pontuá-los nos próximos parágrafos.
Ausência de geração de dados - dizem que estatística é a arte de transformar os números a seu favor. Em nosso caso, parece que nem isso estamos conseguindo. A CBO até tem tentado criar um ambiente de governança adequado. Mas o fato é que nosso sistema de gestão não prioriza a geração de dados que favoreçam a tomada de decisões (sobretudo no nível estratégico). Um bom exemplo: algum de vocês sabe informar quantos orientistas tiveram que receber algum atendimento médico durante as provas oficiais de 2019? Quantas competições foram realizadas com resultado superavitário na sua federação? Qual o percentual de orientistas inscritos em categorias fora da sua faixa etária? Qual o índice de participação dos filiados do seu clube nos eventos ofertados? Se você tiver essas respostas, ou ao menos se souber aonde encontrá-las, por gentileza, compartilhe conosco. São de extrema valia. Minha filiação principal é a FODF e tentei trabalhar em um relatório que fornecesse ao menos uma base de dados. Não foi fácil, mesmo sendo o atual Diretor Técnico, obter números. Um dos problemas é que a forma de gestão estava em um nível, digamos, artesanal. Mas conseguimos, por exemplo, conhecer o índice de evasão de orientistas ao comparar os participantes da primeira etapa e os que completaram o campeonato do DF. O clube do Rocha também tratou de criar ferramentas para mapear a participação de seus filiados. Tratei de ler alguns regulamentos e tomei conhecimento de uma portaria da FECORI que tenta organizar os relatórios das provas. Concluindo: temos muitos bons exemplos para copiar (benchmarking puro), e outros tantos para mitigar.
Pouca leitura - a corrida de Orientação é um esporte que exige bastante da atividade intelectual. Mas isso não se resume apenas em decodificar o mapa e comparar com o terreno em si. Aqui no blog e nas minhas redes sociais, utilizo o bordão "Seja inteligente! Pratique a corrida de Orientação", e a hashtag "Citius, fortius, sapiens" (uma adaptação ao preceito olímpico, significando "mais rápido, mais forte, mais inteligente" em tradução livre). Ou seja, considero que devemos exaltar essa característica da Orientação. Mas na prática, tenho visto os praticantes mais preocupados em memes e divulgação de fotos do que na preparação intelectual. Você, que está lendo o blog, é um orientista diferenciado. E provavelmente vai concordar comigo que nossos pares lêem pouco. Meu termômetro são as próprias publicações do blog. As análises de rotas que publico atingem um número pequeno de orientistas. Em outra mão, as publicações com vídeos ou álbuns de fotos atingem picos elevados de visualizações. Também é um fator complicador que muitos bons textos sobre o esporte estão em outras línguas (inglês, espanhol, alemão etc.). Mas isso não deveria ser uma barreira intransponível, já que existem tradutores competentes nos navegadores de internet. Então, resta concluir que a falta de leitura se deve à própria cultura dos nossos atletas. Já se perguntou quantos atletas conhecem ao menos os boletins e os regulamentos dos eventos? Recentemente em um grupo de whatsapp tivemos um excelente debate sobre declinação magnética, bússolas e zonas magnéticas. A conversa foi provocada depois que comentei ter visto jovens atletas brasileiros no Portugal O'Meeting fazendo uso de bússola calibrada para o hemisfério sul. Em conversa com eles, ficou claro que desconheciam que este pequeno detalhe poderia prejudicá-los na navegação.
Preparo físico - No ano passado participei na M40 no WMOC. O mapa da Final A apresentava uma distância próxima de 11,6km. Numa conta básica, é possível avaliar que o vencedor percorreu algo em torno de 12,5km para completar todo o percurso, já que é quase impossível um orientista seguir somente pela linha vermelha. Sabem qual o tempo que ele precisou para vencer a prova? 56 minutos. Isso dá um ritmo (pace) abaixo de 5'/km. Na categoria M70 o mapa possuía pouco mais de 6km e o vencedor precisou de 43 minutos para concluir a prova. Mesmo considerando que as provas de um WMOC são realizadas em áreas que priorizam a navegação, dificilmente conseguiríamos desenvolver velocidade parecida. Talvez pelo fato de termos objetivos muito heterogêneos na prática da modalidade, ou por premiarmos graus de dificuldade B e N, isso acabou gerando uma acomodação que estagnou nosso desenvolvimento em termos de performance.
Sempre os mesmos organizadores e gestores - em que pesem as inúmeras oportunidades de formação técnica para habilitar organizadores, é fácil notar que as figurinhas que montam as provas são bastante repetidas. O lado nefasto é que a pouca oxigenação traz uma acomodação e cria vícios técnicos nos eventos. Muitos competidores, por não atuarem nas organizações, acabam perdendo toda a expertise mais que desejável de entender melhor uma competição de orientação. Por exemplo, porque o traçador optou por colocar em tal área aquele prisma; ou porque o árbitro sugeriu alterações em uma arena ou mapa. Correr é muito legal. Mas se os orientistas se acomodarem, haverá um dia em que não mais teremos quem montar as provas. Por mais amadora que seja nossa modalidade, é importante e necessário que criemos estratégias para desenvolver a todos.
Conhecimento empírico deficiente - ainda na linha dos gestores, percebo uma aparente falta de interesse em adotar ou em acreditar nas experiências que outros vivenciaram. Não sei se é mero exercício de ego, mas muitos se fecham em pequenos feudos e acabam se tornando referências incompletas para muitos entrantes na modalidade. Recentemente, enquanto fotografava um evento, ouvi um organizador contando para iniciantes que "lá na Europa os mapas nas partidas sempre ficam no chão".
Ambiente pouco agregador - para muitos, a corrida de orientação é um esporte no qual você chega com tempo suficiente para se aquecer, faz seu percurso, confere o resultado e deixa a arena. O tão esperado congraçamento, o calor familiar que tanto exaltamos, não parecem ter se tornado uma prática em termos gerais. Entretanto, existem ótimos exemplos de algumas federações que podem e devem ser copiados. Importante é que momentos de encontro dos orientistas vão gerar melhorias significativas se forem bem aproveitados por toda a comunidade praticante. Ao criar um clima amistoso e que incentive as pessoas a estarem juntas, aí sim estaremos atuando em prol da modalidade. A vaidade de uns está afastando muita gente.
Não temos um ídolo nato - nossos atletas de elite não apresentaram, até o momento,  o prestígio, a empatia e o carisma necessários para se tornarem ídolos da modalidade. Assim, nos falta aquela figura que provoca, que emociona, que alegra, que instiga sobretudo os mais jovens a serem, também, ícones do esporte.
Precisamos de orientistas que paguem pela orientação - uma prova de corrida de orientação possui custos elevados. Esses custos são repassados aos atletas. Cada evento tem seu próprio break even (aquele valor mínimo para que o organizador não fique no prejuízo). O grande desafio é ter um número maior de atletas para que os custos sejam diluídos e os valores cobrados sejam atrativos. Ocorre que a realidade é que poucas federações estão conseguindo colocar mais de 200 competidores por etapa. A FOP, em um passado recente, e atualmente a FBO alcançam as 4 centenas de atletas por etapa. Nos demais estados, me parece que há uma enorme ginástica para que os organizadores tenham saldo positivo. Num paralelo, a corrida de rua cobra mais e tem custos menores para ocorrer. Mas mesmo assim, as pessoas pagam mais de 100 reais para participar. Na orientação, temos descontos para família, isenções, e valores mal estimados. Atraímos competidores que não estão dispostos a pagar pelo esporte, ou que não são capazes de. Aí entra a conjuntura econômica e mais uma série de outros fatores. Inclusive não possuirmos bons patrocinadores. Só que o patrocinador quer um bom consumidor. Um paradoxo.

Bom, já escrevi bastante por hoje.
Se você chegou até aqui, espero que o texto tenha te ajudado a, ao menos, criticar e tecer suas próprias opiniões sobre nosso esporte. Se concorda ou não com essas palavras, aproveita o espaço abaixo e comenta. Este post é, inclusive, um teste para confirmar ou não a tese da falta de leitura. Inclusive não vou divulgar nas redes sociais. Vamos ver como será o alcance somente com os compartilhamentos espontâneos.

Seja inteligente! Pratique a corrida de orientação.
Boas rotas  \o/